Viajar: ver paisagens diferentes, encontrar pessoas, ouvir outro sotaque ou idioma, provar novos sabores. Eu me amarro em andar a pé pelas cidades, conversar com quem eu puder (mesmo que eu não domine aquela língua), experimentar tudo quanto é comida típica – nessa hora faço jus à fama que os taurinos carregam. 5n6o3y
A gastronomia é uma forma interessante (e provavelmente a mais gostosa) de conhecer mais sobre um lugar. Os temperos, os ingredientes locais, a forma de preparo. Por mim, deveria ser lei ter que pelo menos provar o prato típico principal, se ele não fere a sua cultura ou os seus valores.
Em um eio pelo Leste Europeu, há uns anos, eu degustei goulash, um típico cozido de carne com páprica, em Budapeste, na Hungria; schnitzel, bife de vitela empanado e frito, em Viena, na Áustria; e cesnacka, tradicional sopa de alho cremosa servida no pão, em Bratislava, na Eslováquia. Todos devidamente aprovados.
Na Cracóvia, na Polônia, a boa, segundo as minhas pesquisas, era um tal de um ganso assado, prato que eu nunca havia comido. O Tripadvisor indicou um restaurante especializado na iguaria, do outro lado da cidade do ponto em que estávamos meu companheiro de viagem, o Erik, e eu. Sem problemas, ainda era cedo para o almoço e seria uma bela oportunidade para cruzar a simpática Cracóvia a pé.
Caminhamos tranquilos por uma meia hora de sol até localizarmos o estabelecimento. Meio chiquezinho, acima do nosso padrão de refeitório em viagem estilo mochilão. Tudo bem, se ali era preparado o melhor ganso da Polônia, era lá mesmo que iríamos experimentá-lo. Pedimos a opção indicada pelo atendente para quem comeria pela primeira vez (claro, a mais cara): o peito do bicho. E duas canecas de chope, para começar.
Papo vai, papo vem, a fome apertou. A expectativa aumentou. Enfim, chegaram os pratos.
Parecia um frangão, com a carne de aspecto um pouco mais escuro. A apresentação era bacana, vinham uns matinhos. A boca salivava antes da aguardada primeira garfada. Cortei uma porção generosa, provei e mastiguei com cuidado, sentindo o sabor inédito para as minhas papilas gustativas. E achei péssimo!
Estranho, ruim, tendia ao azedo. Para completar, a consistência não ajudava, era duro. Eu trocaria fácil por um espetinho de frango em qualquer esquina brasileira. Continuei a refeição no sacrifício, sem tecer comentário, sem explanar minha decepção. Para além da fome, não acho legal falar mal de comida, ainda mais na frente da própria comida e de alguém que também almoçava o mesmo prato e poderia muito bem estar se esbaldando – afinal, as pessoas têm gostos diferentes. Até que o Erik quebrou o silêncio.
“Pô, te falo que eu nem achei tão bom assim”, sentenciou. Aí eu não aguentei, ri alto, mesmo com a boca cheia, e revelei: eu também tinha achado horrível. Ambos havíamos segurado a avaliação enquanto pudemos. Gargalhamos juntos, estávamos em absoluta sintonia na mais completa desaprovação daquela iguaria polonesa. Atravessamos a cidade à toa. Pior: pagamos caro por comida ruim.
No final das contas, o ganso da Cracóvia até teve seu valor. Se o gosto não foi nem de longe dos melhores, a lembrança do momento remete a um sabor bem agradável de férias, de experimentação, de refeição sem pressa com um brother em outro país. Um brinde a todas as culinárias do mundo.
(*) Mineiro, jornalista e mochileiro. | Já rodou meio mundo e, quando não está vivendo histórias por aí, está contando alguma. Ou imaginando, pelo menos. É um fã da arte de contar histórias: as dele, as dos amigos e as que nem aconteceram, mas poderiam existir.
Acredita no poder que as palavras têm de fazer rir, emocionar e refletir; de arrancar sorrisos, gargalhadas e lágrimas; e de dar vida, outra vez, às melhores memórias. É autor do livro de crônicas “Isso que eu falei” e publica textos no Instagram no @isso.que.eu.falei.
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