Acaba de avançar na Câmara dos Deputados um projeto de lei que considero um marco importante — e necessário — para a convivência em condomínios. A Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência aprovou uma proposta que proíbe a aplicação de multas por perturbação do sossego quando os comportamentos barulhentos forem diretamente relacionados à deficiência da pessoa. 20k4i
Mais do que uma questão legal, esse é um tema que mexe com a sensibilidade, o bom senso e, acima de tudo, a empatia.
O texto, que altera o Estatuto da Pessoa com Deficiência, reconhece algo óbvio para quem convive com alguém que tem Transtorno do Espectro Autista (TEA), paralisia cerebral ou condições neurológicas que afetam a regulação sensorial e emocional: há comportamentos que não são intencionais, nem voluntários, muito menos fáceis de controlar. E por isso, puni-los com multas — como se fossem uma escolha — é injusto, e frequentemente cruel.
O papel do condomínio precisa mudar
A proposta é também um recado importante para síndicos e es condominiais: já ou da hora de entender que inclusão não é só ibilidade física, como rampas ou elevadores. É também a capacidade de lidar com a diferença, com o barulho fora do “padrão”, com a agitação inesperada.
Infelizmente, o que vemos na prática é o oposto. Famílias são frequentemente pressionadas, constrangidas e até coagidas a mudar de casa porque o filho autista vocaliza demais, ou porque a filha com paralisia cerebral tem episódios ruidosos. Essas famílias já enfrentam um dia a dia exaustivo — e ainda precisam lidar com olhares tortos e notificações no portão. É desumano.
Para os pais, um alívio — mas com responsabilidade
Para pais e responsáveis, o projeto traz um alívio: o reconhecimento, na lei, de que seus filhos não devem ser punidos por serem quem são. Mas isso não significa, e é preciso deixar isso claro, que tudo está liberado ou que qualquer comportamento será justificado.
Se a proposta for aprovada em definitivo, e virar lei, ela não será um e livre para o caos. A isenção de multa só vale para os casos em que o comportamento está ligado diretamente à deficiência. Ou seja, o bom senso continua sendo indispensável. Onde for possível mediar, orientar, oferecer alternativas — deve-se fazê-lo.
Vizinho, é com você também
E aqui faço um apelo aos vizinhos intolerantes: nem todo barulho é sinal de descaso ou desrespeito. Às vezes, é apenas uma criança com TEA que não consegue dormir. Um adolescente com síndrome rara tentando se comunicar. Uma família tentando viver com dignidade em um espaço coletivo.
O incômodo é real, sim. Mas a convivência é uma via de mão dupla, e exige mais do que regras: exige compreensão. Não se trata de aceitar tudo, mas de aprender a diferenciar o que pode ser ajustado do que deve ser acolhido.
Não é banalização. É justiça.
Por fim, quero reforçar algo que o próprio relator do projeto, deputado Duarte Jr, destacou: esse projeto não banaliza o problema, não relativiza a perturbação do sossego, nem autoriza condutas abusivas. Ele apenas nos obriga a olhar para o outro com mais humanidade.
Ainda falta a análise pela Comissão de Constituição e Justiça e, depois, pelo Senado. Mas espero sinceramente que essa proposta avance. E que, mais do que virar lei, ela nos ajude a mudar a cultura de convivência em condomínios: de punição para acolhimento. De intolerância para empatia.
Porque viver em sociedade, no fundo, é isso: entender que nem sempre o silêncio é sinal de paz — e que o barulho de um pode ser o direito de existir de outro.
Cleuzany Lott é especialista em Direito Condominial, Presidente da Comissão de Direito Condominial e Membro da Comissão de Direitos dos Animais da 43ª Subseção da OAB-MG em Governador Valadares, 3ª Vice-Presidente da Comissão de Direito Condominial de Minas Gerais, Membro da Associação Nacional da Advocacia Condominial (ANACON), Diretora da Associação de Síndicos, Síndicos Profissionais e Afins do Leste de Minas Gerais (ASALM). Cursando MBA em istração de Condomínios e Síndicos com Ênfase em Direito Condominial –Conasi, atua também como síndica, jornalista, palestrante, CEO do Condominicando.
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