Governo suspendeu benefício a pastores após alerta sobre improbidade e pressão do TCU 2si6u

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IDIANA TOMAZELLI E RANIER BRAGON

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A Receita Federal suspendeu a eficácia da ampliação do benefício tributário a pastores, adotada na gestão de Jair Bolsonaro (PL), sob pressão do TCU (Tribunal de Contas da União).


A área técnica do órgão de controle recomendou, em 14 de dezembro de 2023, expedir uma determinação ao governo para suspender o ato, editado pela Receita às vésperas da campanha eleitoral de 2022.


O relator da ação no TCU, ministro Aroldo Cedraz, ainda não se manifestou no processo, mas o governo Lula (PT) resolveu se antecipar diante do alerta dos auditores do tribunal de que a norma continuava em vigor mesmo após a própria Receita apontar problemas e indícios de improbidade istrativa.


Uma nota técnica da auditoria interna do Fisco, elaborada em 13 de março do ano ado, mostrou que o ato editado sob a gestão Bolsonaro “possivelmente não seguiu o rito estabelecido nas normas internas”, pois não foi fundamentado com exposição de motivos e cálculos de impacto.


“Portanto, a aprovação do ADI [Ato Declaratório Interpretativo] pode, em tese, representar infração disciplinar e potencial ato de improbidade istrativa, ao conceder benefícios fiscais sem observar as formalidades legais ou regulamentares, dependendo de confirmação de elementos como dolo e lesão ao erário”, diz a nota da auditoria da Receita, reproduzida em manifestação da área técnica do TCU obtida pela Folha de S.Paulo.

“Em vista disso, a nota recomenda o encaminhamento do caso à Corregedoria do Ministério da Fazenda para investigação de responsabilidade do signatário do ADI, o então secretário especial da RFB, Julio Cesar Vieira Gomes”, acrescentou.


Ainda assim, a norma permaneceu vigente, garantindo a blindagem tributária aos pastores por mais dez meses até ter sua eficácia suspensa em ato executivo assinado pelo secretário especial da Receita Federal, Robinson Barreirinhas. A suspensão foi publicada na quarta-feira (17) no Diário Oficial da União.


A notícia foi publicada inicialmente pela coluna S.A.


Por trás do ato editado pelo governo Bolsonaro está a chamada prebenda, remuneração recebida pelos pastores e líderes religiosos por serviços prestados às igrejas.


A legislação brasileira isenta a prebenda do recolhimento de contribuição previdenciária, desde que ela tenha relação com a atividade religiosa e não dependa da natureza ou da quantidade de trabalho.


A Receita detectou nos últimos anos que algumas igrejas, principalmente as comandadas por grupos evangélicos, usavam a prebenda para driblar a fiscalização e distribuir uma espécie de participação nos lucros aos pastores que reuniam os maiores grupos de fiéis ou as maiores arrecadações de dízimo.


O Fisco aplicou multas milionárias e exigiu o pagamento da alíquota previdenciária de 20% sobre os valores. O ato do governo Bolsonaro contrariou entendimentos internos do órgão e não só dificultou a cobrança, mas abriu caminho para o cancelamento das fiscalizações já estabelecidas.


Após a posse de Lula, o ato foi considerado por integrantes do Fisco como “atípico”. No entanto, havia nos bastidores o temor de que sua suspensão deflagrasse uma crise com a bancada evangélica no Congresso, num momento em que o novo governo tentava azeitar a relação com o Legislativo.


O grupo parlamentar atuou como uma das bases de sustentação de Bolsonaro no Parlamento e vem sendo alvo de investidas e acenos do petista na tentativa de reduzir resistências à atual gestão.


A manutenção do ato, porém, chamou a atenção dos auditores, que anexaram imagens do site da Receita Federal para comprovar que ele seguia em vigor.


“A despeito de o ato ser reconhecido como viciado, ele continua em vigor produzindo efeitos no mundo jurídico. Pelo exposto, fica evidenciado o periculum in mora [risco de que a demora em agir cause dano grave] que poderá ensejar prejuízo ao erário e ao interesse público e comprometer a eficácia da decisão de mérito que vier a ser proferida pelo tribunal”, diz o documento do TCU.


Um primeiro pedido de cautelar foi negado por Cedraz em fevereiro de 2023, pois o relator considerou necessário ouvir antes as explicações da Receita Federal sobre o ocorrido. A partir dos elementos trazidos pelo próprio órgão, no entanto, a área técnica entendeu ser necessário suspender os efeitos do ato.


Os auditores também sugeriram ao tribunal questionar a Receita Federal sobre os motivos pelos quais o ato interpretativo do órgão sob Bolsonaro, mesmo sendo considerado viciado, não foi anulado ou convalidado.


A área técnica ainda recomenda cobrar as providências para apuração dos possíveis danos ao erário produzido pela vigência da norma, bem como os procedimentos para eventual “responsabilização daqueles que deram causa ao prejuízo”.


O então secretário Vieira Gomes tinha interlocução direta com Bolsonaro e também entrou na mira de investigações pela tentativa do ex-presidente de reaver joias presenteadas pela Arábia Saudita. Procurado pela Folha de S.Paulo, ele negou eventuais irregularidades. “Foram observadas todas as normas legais e regulamentares pertinentes à edição do ato istrativo em questão”, afirmou.


Embora não tenha havido decisão formal da corte de contas, a Receita informou em nota que a suspensão “atende determinação do TCU”. Em outro trecho, o órgão afirma que a decisão atende a uma “determinação proposta pelo Ministério Público perante o TCU”.


A reportagem questionou o órgão sobre as providências para estimar o prejuízo com a norma, mas não obteve resposta.


Em nota publicada na quarta, a assessoria de comunicação do TCU destacou que o ato que concedeu a isenção tributária a pastores é objeto de análise em processo na corte, “ainda sem decisão”. “O TCU se manifesta apenas por meio de seus acórdãos ou por decisões monocráticas dos seus ministros”, disse o tribunal.


De acordo com o documento da área técnica do TCU, a Receita informou que os valores dos lançamentos tendo alvo pessoas físicas com a ocupação principal “Sacerdotes e Membros de Ordens e Seitas Religiosas” somam R$ 293,8 milhões, a maior parte com a exigibilidade suspensa (ou seja, o órgão não pode efetivar a cobrança).

O relatório tampouco esclarece se esse valor representa todo o prejuízo potencial do ato do governo Bolsonaro. Na época da edição da norma, técnicos estimavam que o perdão poderia chegar a R$ 1 bilhão.


Com a suspensão do ato, técnicos do órgão alertam que eventuais créditos em cobrança na Receita Federal que tenham sido cancelados com base no ato do governo Bolsonaro não poderão ser restaurados.


Em alguns casos, o valor principal do tributo devido pode ser alvo de um novo lançamento, mas juros e multas decorrentes da agem de tempo desde a primeira autuação serão definitivamente pedidos. Além disso, isso só poderá ocorrer se o fato gerador da cobrança tiver ocorrido nos últimos cinco anos —em prazos maiores, a Receita não pode mais exigir o pagamento.


“Após o cancelamento desse ato, surgiu a dúvida se a Receita poderá fazer novos lançamentos, especialmente em relação a fatos geradores antigos, como os referentes ao ano de 2016”, alerta o presidente da Unafisco Nacional, Mauro Silva.

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