Marcos Santiago 266t5j

Fui tentar um benefício lá pelas bandas da Previdência. Tô meio esquisito nessa fossa toda, de norte a sul.Grita a senha e eu entro no consultório. Faço uma prece e sento.– Bom dia, doutor!Ele dá um meio tique com a cabeça e resmunga:– Já tive dias melhores…Eu faço o sinal da cruz e falo baixinho:– Ave! Se não tá bom para o senhor que é doutor, imagina pra mim que nem pedigree tenho?Ele põe o dedo no queixo e leva em direção ao teclado do computador. Que alívio! Vai conceder a graça, penso.– Uns trinta dias de glória! Falo com o estetoscópio.Mas então ele franze a testa e me encara. O perito me encarou. Putz, e agora? O que é que eu faço? Ele tá olhando pra mim, pensei. Permaneço em oração e digo:– Oiiiii…– Ele abaixa os óculos e pergunta:– Dói onde?– Doutor, primeiro dói no bolso. É. Esse atestado aqui e aquele exame acolá, paguei com o dinheiro do gás. No SUS tá um tanto demorado.Depois, dói na consciência, de ver tanta gente pior que eu, numa fila maior que o preço da gasolina…No meio da ladainha ele enfia outra pergunta:– Mas qual é o seu problema?Então! Dou aquela respirada do fundo da alma:– Problema? Tenho um filho adolescente, sabe? Sou casado também. Sócio do meu cunhado. Minha mulher tem mãe e madrasta, então fiquei com duas sogras. Aí o dólar subiu, a renda caiu e eu tenho que lutar com esse pessoal todo…Ele manda parar e faz cara de tédio:– O senhor votou nas últimas eleições? Pergunta.– Votei. Sim senhor! Nem quero ofender Vossa Senhoria, mas o que tem a ver, se eu votei? Votei. Votei sim…Ele ergue a palma da mão e me indica a porta, dizendo:– Então vá em paz, mas não peques mais.Fui.Estou aguardando a resposta do benefício chegar. 366v2t
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