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Uma pessoa com deficiência é, para além dessa característica, alguém com sentimentos, necessidades e sonhos. O sonho da adolescente Raquel Figueiredo, de 16 anos, é viajar pelo mundo. Mas antes de ir para longe, ela sonha em conseguir se socializar com quem está perto. Raquel é surda.
O Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999, descreve como deficiência “toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano”. De acordo com a ONU, esse público corresponde a 10% da população mundial.
Vale ressaltar que essas pessoas estão por toda parte, a todo instante, e não apenas quando se fala em inclusão social. Portanto esta matéria é também um convite ao questionamento de como o mundo acolhe pessoas com deficiência. Para isso, pode-se entender como “mundo” tanto os espaços físicos quanto as relações interpessoais.
Será que os lugares são construídos e os seres humanos devidamente educados para conviver com uma pessoa com deficiência? Luciana Nunes, mãe de Raquel, acredita que ainda não. Segundo Luciana, a adolescente nasceu surda e durante toda a vida enfrentou barreiras na comunicação. Dificuldades essas que perduram até hoje.
“Encontra dificuldades no entendimento por parte dela e dos ouvintes. Na escola necessita de intérprete como intermediador de conhecimento entre ela e o professor. No ambiente escolar encontram-se muitas barreiras, não por falta de contratação, mas, sim, por falta de compreensão e cumprimento dos direitos da pessoa com deficiência. O aluno surdo acaba tendo o intérprete como o único comunicador na escola”, destacou.
Aliás não ser compreendida por todos já foi um problema apontado pela própria Raquel à sua mãe. “Como a Raquel questionou em uma reunião com a direção da escola e superintendência: se ela tiver uma reclamação para fazer do seu intérprete, terá que levar o próprio intérprete para interpretar sua fala? E no dia a dia com os colegas e professores? O surdo na grande maioria fica isolado no recreio ou finge entender as conversas de rodinhas para se fazer presente”, contou Luciana ao ressaltar que o ensino da Língua Brasileira de Sinais (Libras) a todos os estudantes e profissionais poderia ajudar na socialização de pessoas com surdez.
A realidade da jovem Raquel é a mesma do pequeno Kauã Henrique, de apenas 9 anos. Ele é um dos filhos gêmeos de Jéssica dos Santos e também tem deficiência auditiva. O irmão gêmeo dele, Kaio Hebrain, tem múltiplas deficiências e é cadeirante. Ambos estudam na escola pública da cidade. Na rotina estudantil, os gêmeos contam com a ajuda de uma intérprete da Língua Brasileira de Sinais e uma monitora, respectivamente. Para a mãe, além da infraestrutura, o maior desafio cotidiano é contradizer a reação das pessoas que tratam a deficiência como uma característica negativa.
“Alguns locais têm o para cadeirante; alguns não têm. Aí é difícil para a gente ar no local ou mesmo chegar até o local. No transporte público, alguns motoristas tentam ajudar, uns são um pouco mais grossos. Tem algumas pessoas que ficam questionando. ‘Que dó’, ‘Coitado’. Para mim, como mãe, são comentários inconvenientes, desnecessários. Mas outras pessoas são solidárias, perguntam se precisam de alguma coisa, de apoio, tentam apoiar a criança e a família”, contou Jéssica.
Educação inclusiva
Os gêmeos Kaio e Kauã são assistidos pelo Centro Municipal de Referência e Apoio à Educação Inclusiva (Craedi) de Valadares. Segundo Jéssica, o filho Kaio, que é cego, tem aulas de braille, enquanto Kauã conta com três professores de Língua Brasileira de Sinais.
O Craedi está localizado na rua Israel Pinheiro, nº 4.211, no bairro de Lourdes. A unidade oferece atendimento educacional especializado e serviços de saúde como fisioterapia, psicologia, terapia ocupacional, fonoaudiologia e educação física.
Para a inclusão social de pessoas com surdez, o município também conta com o Centro de Capacitação de Profissionais da Educação e de Atendimento às Pessoas com Surdez (CAS), cujo objetivo é oferecer o curso de Língua Brasileira de Sinais a todos os profissionais do setor da Educação. Para mais informações, o CAS está presente no Instagram como @cas_governadorvaladares.
Outra instituição que se tornou referência em acolhimento e ensino para pessoas com deficiência é a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae). Além da educação, a Apae trabalha fortemente em prol da inclusão, cidadania e o de pessoas com deficiência a direitos como saúde e assistência social.
A Apae está localizada na rua Lincoln Byrro, nº 479, Lourdes. O telefone é o (33) 3221-3664.
Mensagem de Raquel
Raquel ou pela cirurgia de implante coclear (dispositivo que restaura a audição). Ela explica que, apesar de ser uma grande ajuda, o implante não significa a “cura” da surdez.
Ela também afirma sentir a falta de intérpretes em lugares públicos, como hospitais, por exemplo, e no mercado de trabalho. A adolescente escreveu ao DRD o relato de uma situação ocorrida em maio deste ano.
“No dia 1º de maio, fui operada de urgência de apendicite. Lá no hospital, no bloco cirúrgico, todos os enfermeiros estavam de máscara e eu sem os meus aparelhos auditivos. Ninguém sabia Libras, então todos entraram em desespero porque não sabiam como se comunicar comigo. Minutos depois me deparo com a presença da minha mãe dentro do bloco cirúrgico e perguntei o porquê de ela ter entrado. Ela me disse que era para me ajudar a me comunicar com os enfermeiros. Eu olhei pra ela e perguntei: ‘e se um surdo precisar fazer uma cirurgia e não tiver [ninguém] acompanhando?’. A enfermeira que estava acompanhando minha mãe apontou para uma folha dizendo que se comunicaria através da escrita. Eu apenas disse: ‘mas a senhora sabe que a maioria dos surdos tem dificuldade com a escrita, certo?’. A enfermeira ficou meio sem graça e não disse mais nada. É por isso que eu acho importante que as pessoas aprendam pelo menos o básico da Libras”, pontuou.
A dificuldade na escrita se dá por vários motivos. Um deles é que o português é uma língua fonética, que varia conforme o som das letras e sílabas. Por isso, o aprendizado é mais difícil para o surdo.